quarta-feira, 27 de maio de 2015

À tua espera


O betão desta megalómana perspectiva   
cimenta-me a imagem de te poder escutar.
Tranquila, obstinada e decerto assertiva,
assim te observo através da objetiva
enquanto te sinto o compasso do respirar.

És feminina na génese e neutra na anuência
àqueles que de ti revelam seu coração.
Simpática e acolhedora à primeira aparência,
relevas na abnegação toda a clarividência,
que alenta por esses poros de compaixão.

E aqui estou eu, de perna cruzada, à tua espera,
num corpo, presente ausente, pintado a invisível.
Meus sonhos beijam-te e atingem a estratosfera,
ao trepar por essa camada numa apetência sincera,
aguardando por explodir nesse aroma aprazível.

Sei que não me vês, mas estou a teu lado,
num banco de madeira, silenciosamente vazio. 
Observo-te, pela reminiscência aprisionado,
e afago-te a alma num piscar de olho, calado
por um apreço que me provoca um eterno calafrio.

Fotografia: João Santos

terça-feira, 12 de maio de 2015

A subtileza do teu sabor


Percorro as curvas dessa silhueta,
apertando o nó a essa tira de tecido.
Encosto-me, fechando-me em chaveta,
intersectando o teu cheiro incendido.

Do nada penetro-te a alma do poeta,
fazendo-te salivar pelo prazer merecido.
Arquejante, desejas dominar a ampulheta,
querendo parar este momento destemido.

O meu toque captura um poder angelical,
elevando-te perante o olhar do senhor,
nessa noite onde, no altar, te tornarás a tal.

Por agora, imagino a subtileza do teu sabor,
nas sombras de uma fotografia original,
ansioso por te oferecer o meu melhor.

Fotografia: Rui Coelho

Cais


Esperei.
Desesperei.
O tempo nada era,
perante a dor da tua espera.
Mas eu esperei.
Oh! Se esperei.
Mas a tua alma não vinha,
deixando a minha sozinha.
O tempo, outrora dado,
passava lento e amargurado,
até se sentir abandonado.
Mas a tua alma não vinha,
ao encontro da minha.
Numa vontade conveniente,
de quem cala consente,
vivendo numa morte dormente.
E eu continuei a esperar,
acreditando nesse amar,
que tudo me soube tirar.
Amparado por uma asa aleijada,
fiz da esperança minha aliada,
esperando por tudo e por nada.
Ao longe, imaginava-te perto.
E do mar fazia o deserto,
desse oásis a peito aberto.
E assim ficámos nós,
afastados por um adeus atroz,
que de mágoa quase me calou a voz.
Mas se pensas que vens e vais,
fica sabendo que não espero mais
pela tua chegada ao cais.

Fotografia: João Santos